quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

UMA VERGONHA NACIONAL


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7.12.2013 - Manuel Augusto Araújo


Esta gente, os nossos actuais governantes, ou não sabe o que diz por ignorância e di-lo com a empáfia dos ignorantes, ou sabe o que está dizer e diz revelando todo o seu cinismo, hipocrisia e falta de princípios. Estamos em crer que as duas coisas se misturam na mesma centrifugadora que lhes molda a coluna vertebral numa serpentina de borracha e dispersa a escassa massa cinzenta em bolas de goma que se pegam às paredes da densa espessura óssea da sua caixa craniana.

O texto das condolências de Cavaco pela morte de Nelson Mandela é uma vergonha que se estende como um manto de ignomínia sobre toda a nação que não esquece o voto de Portugal na ONU, era Cavaco 1º ministro, alinhando com Reagan e Thatcher que consideravam Mandela um terrorista. As cambalhotas do voto, numa ginástica canalha, não iludem a raiz reaccionária que lhe está subjacente e é a sua seiva. Agora as condolências cavaquistas vão no mesmo sentido. A sua presença nas cerimónias fúnebres só têm a importância de nos fazer recordar que antes de morrer nos devemos precaver contra a presença da gentalha que se aproveita do nosso forçado e eterno silêncio para aparecer e tentar apagar as nódoas que enxameiam a suas almas e percursos.

Como se isso não fosse suficiente para os patriotas portugueses se sentirem envergonhados, Passos Coelho, com ele todo o (des) governo não venha à pressa alguém da pandilha demarcar-se, escreve um disparate sobre Mandela que, como dissemos a abrir o texto, prima pela ignorância ou pela má fé ou pelas duas coisas em consonância:

«Com as suas reconhecidas qualidades pessoais, e guiado por sólidos princípios e valores humanos, o ‘Madiba’ foi líder da resistência não violenta ao regime de segregação racial, prisioneiro político, pai da moderna nação sul-africana, prémio Nobel da Paz e Presidente da República.»

Não difere substancialmente do texto cavaquista. Nem um nem outro tem qualquer coisa a ver com a realidade.

Nelson Mandela defendeu a luta armada contra o apartheid desde 21 de Março de 1960, data em que ocorreu o Massacre de Sharpeville, e que em 1961 passou a comandante do braço armado do Congresso Nacional Africano (CNA) até ser preso.

Em Junho de 1980, Mandela enviou ao CNA, da prisão onde se encontrava, a seguinte mensagem: «Unam-se! Mobilizem-se! Lutem! Entre a bigorna que é a ação da massa unida e o martelo que é a luta armada devemos esmagar o apartheid!»

Mandela foi preso e condenado em 1962 e de novo julgado em 1964. Escapou à pena de morte. Em tribunal afirmou que são os opressores quem determina os meios de resistência. O governo fechara à população negra todas as vias legais e disparava sobre os que exigiam as liberdades. Foi condenado, com os seus companheiros, a prisão perpétua por “alta traição e tentativa de derrube do governo [branco] pela força”.

Na África do Sul do apartheid ao longo dos anos 1970-80, motins, manifestações e actos de desobediência civil tornam-se maciços e incontroláveis. A sua ressonância internacional cresce exponencialmente. Em Fevereiro de 1985, o presidente Botha oferece a Mandela a liberdade em troca da condenação da violência. O prisioneiro recusa. Meses mais tarde, propõe-lhe a abertura de negociações. Recebe a resposta de sempre: “Só os homens livres podem negociar.”.

Para Mandela, os tempos da negociação são uma questão de táctica e não de princípio. Ao regime do apartheid, cercado internacionalmente, apesar do apoio de Reagan, Thacther e o do seu criado Cavaco, que se já não podem defender directa e incondicionalmente o governo de Botha, fazem-no indirectamente considerando o ANC e o seu dirigente máximo um bando de terroristas, só restam duas soluções: negociar e isso implicava negociar com o preso Mandela, ou destruir militarmente o ANC, de resultados duvidosos embora sabendo que o ANC, que também o sabia, não tinha condições militares para derrubar o regime.

Finalmente em Setembro de 1989, Frederik De Klerk substitui Botha e o processo negocial acelera-se. Mandela fixa os objectivos: a regra democrática “um homem, um voto”; a legalização do ANC, dos seus aliados — o Partido Comunista e os sindicatos; a libertação de todos os presos políticos; o desmantelamento dos bantustões”. Só nestas condições, aceita ser libertado – no dia 11 de Fevereiro de 1990 – para iniciar a grande ronda negocial com o governo de De Klerk.

Até às eleições de 1994, o país vive em convulsão: confrontos sangrentos entre o ANC e o partido zulu Inkatha, milhares de assassínios, conspirações da extrema-direita branca. Mandela torna-se a figura central do país, sendo tratado como se já fosse presidente.

Nelson Mandela tornou-se um quase mito. Uma das razões que engrandeceu o seu mito foi a aparente impossibilidade duma solução pacífica para a tragédia do apartheid. Mandela foi actor de uma obra-prima da política: a transição do apartheid para democracia, envolvendo a construção duma nação sul-africana.

Eleito presidente soube retirar-se a tempo, com algumas concessões criticáveis e sem deixar a nação consolidada. As identidades raciais subsistem apesar do racismo ter sido ilegalizado. O fim do apartheid deu o poder à maioria e ao ANC, mas não trouxe o paraíso.

Mas isso não ensombra a sua estatura política e humana. Era um homem raro e um grande político, como poucos, ao longo dos séculos, o têm sido.

Este Nelson Mandela não é o Mandela dos textos dos nossos governantes, encabeçados por Cavaco e Passos Coelho. Textos que aviltam a sua memória e humilham Portugal.

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